quarta-feira, 1 de abril de 2009

31 de Março de 1964. (03)

Eu fui do PCdoB. Sai em 1990, com a queda do muro de Berlim. Deixei de acreditar no comunismo. Resolvi partir para cuidar de minha vida pessoal.

Daí pra cá, nunca militei em partido nenhum. Trabalhei profissionalmente.

Mas da época em que eu fui militante na clandestinidade, sem duvida que guardo boas lembranças e sem duvida que não me arrependo de nada que fiz.

Eu era conhecido como Mario. Camarada Mario.

Quando eu entrei em 1975, logo, logo, coisa de menos de um mês, mesmo tendo outros militantes mais experientes como Salete, Sinval por exemplo, fui chamado para ser da direção do Partido. Foi organizado um Comitê Estudantil, formado por eu, Olival e Zé Reinaldo.

Ai partimos logo para organizarmos os “recrutamentos" para fazer crescer o partido. Tinha vários militantes do movimento estudantil que você jurava que eram do partido e não eram. A direção da época era bem recuada para recrutamentos, até mesmo por causa da ditadura.

Os encontros eram chamados de “ponto”. A marcação de encontros, falava assim: “vamos marcar um ponto”

Ai as pessoas se encontravam em determinados locais, públicos ou não e conversavam as coisas. A tolerância era de no Maximo de 10 minutos de atraso. Depois disso você tinha que se mandar.

Tinha coisas engraçadas, interessantes. A convivência com Olival e Zé foi muito interessante. Olival, aquele marxista completo, inteligentíssimo, sabia as obras de Marx, Lenin, Engels, Stalin, quase que na ponta da língua. Ele era um cara vindo de colégio particular, de classe media, estudante de física, (imaginem) todo certinho.

Eu, vindo de escola publica, nascido e criado na liberdade, começando a ler os livros (muitos não entendia nada...!) mas tinha o sentido geral que precisava, organizar o movimento, o partido e lutar.

Zé Reinaldo, o supra sumo.

Me lembro que alugamos um aparelho dentro do areal, naquela época estava se iniciando a invasão, mas a barra já era pesada. Ai uma vez por semana, subia aqueles três vestidos de classe media, entrava na casa de um cômodo só de manha e só sai a noite ou no outro dia.

Depois mudamos pra um em Arembepe. Também de um cômodo só.
Marcamos uma reunião longa que iria durar toda a semana santa. Olival que fez as compras dessa vez. (quando eu fazia, comprava carne de sertão, ovos, farinha, fazia uma fritada com farofa, era uma beleza!)

Dessa vez o diabo do Olival chega com as compras. Essas coisas de classe media, sabe como é. Pães, enlatados, etc.

Fiquei puto! Na sexta feira santa íamos comer quitute. Eu falei pra Olival: (uma heresia...) “sexta feira santa não pode comer carne! Quitute é carne! Se você abrir esta lata vai estar estragado!” Ai, risada geral, todos dois materialistas de carteirinha, vai Olival abrir a lata: não é que o quitute estava todo podre?!!! Kkkkk! Lavou minha alma! Tirei o maior sarro!

A REPRESSÃO ERA DURA!

Matava, torturava, prendia. Nós tentávamos driblar de todas as formas.
Ainda em 1975, após a greve do jubilamento, Valdelio de Ciências Sociais e Fred de Economia, foram para um encontro em Minas, clandestino, os primeiros para reorganizar a UNE.

Quando chegaram em Juiz de Fora eles foram presos. Apanharam, foram torturados. Na época eu era do DCE, fizemos um movimento, que foi pequeno por causa do desgaste de fim de greve. Por sorte eles foram presos pela PM de Minas, não achou nada, não eram procurados por serem de organização clandestina e foram soltos alguns dias depois.

Ai quem começou a viajar foi eu.

Lembro-me de uma viagem em 1976, ao Rio de Janeiro, de ônibus, cheguei lá fui bem recebido por Maria Helena, a que hoje é do PT, ela carioca, me levou para conhecer o pai dela no Vidigal e fomos para uma reunião que era do pessoal do PCdoB.
Mas ave Maria! Não podia dizer que era de jeito nenhum!
Mesmo entre nós. Era a reunião do pessoal que tinha afinidades, Viração da UFBA, pessoal da UFF do Rio, Caminhando de São Paulo. Assim.

Pois quando a gente tava lá aconteceu a queda da Lapa. A repressão descobriu uma reunião do Comitê Central do PCdoB em São Paulo, matou vários dirigentes, prenderam outros tantos. A reunião que eu tava era preparatória de uma reunião de DCEs em Minas Gerais, para reorganizar o movimento estudantil.

Com forte emoção decidiu-se que eu iria para a reunião e tentar tirar uma nota de repudio no nível possível.

Viajei para Belo Horizonte, lá o único DCE do PCdoB era o meu. Todos eram dos vários partidos de esquerda: AP, PCBR, etc. entrei na reunião. Propus a nota. Formou-se uma comissão redigimos uma nota muito no geral, falando longe em direitos humanos e foi aprovada e assinada por unanimidade!
Era assim a solidariedade entre as esquerdas!

Foi a única manifestação publica de massas diante do ocorrido na época. A única! Em função da ditadura.

Foram varias as viagens (todas tem muita coisa interessante, mas vai ficar muito longo, depois eu acho que posso escrever e contar) que eu fiz na época para o processo de reconstrução do movimento estudantil que culminou no Congresso da UNE em Salvador.

Mas vou aproveitar um pouquinho e contar algumas curiosidades dos costumes da esquerda da época.
O pessoal do PCdoB era chamado de cururu pelas outras organizações de esquerda. Eu agora não me lembro muito bem por que.

Lembro-me que no DCE, que se confundia muito com o partido, em épocas como carnaval, ninguém proibia nada explicito.

Mas implícito era assim: “ah! Você vai viajar pra onde no carnaval? Vai ler quais livros? Todo mundo tinha que viajar e aproveitar para ler livros. Ave Maria de ficar pro carnaval! (e eu adorava o carnaval...)

Teve uma vez que tinha uma estudante de Psicologia, (Hoje deve ser uma profissional importantíssima!) Ana Helena, que recebeu a tarefa de organizar as “duplas de relacionamento” era para os dois escolhidos, passarem a conviver. Eu achei o Maximo! Eu olhava para pessoas como Tinoco e Sinval, como verdadeiros deuses! Que tinha até vergonha de falar com eles! Depois dissolveram isso, não deu muito certo...

E os filmes que era chique gostar?

Ah! Meu irmão! Os filmes todo mundo tinha que gostar! Porque era o assunto das mesas de bar. Bergman era minha tortura! Nunca conseguia entender o diabo dos filmes dele! Mas ninguém podia dizer isso, nem perguntar nada! Era a maior gafe!

Eu ia escondido pra.. meus filmes de guerra, faroeste, ficção.Adorava! e ia também para os filmes cabeça. Tinha outros! Só servia os complicados. Godar, Felini, Glauber Rocha, um inferno!

Vou parar por aqui. Tem tanta coisa....

Um dia eu volto a escrever sobre essa época. É interessante ver hoje pessoas daquela época, que lidou com voce o que voce via a atuação no movimento e hoje estão em posições varias... eu gosto! Tenho o maior prazer quando tenho noticias! É gratificante! Você veja, o Governador mesmo. Eu nunca lidei diretamente com ele. Mas sei a estória do sindiquimica, sei das disputas pela direção do sindicato, (que ele ganhava todas...) Rosemberg era do PCdoB e junto com Valter e Barretinho, passaram a vida toda tentando tomar o sindicato e nada! Hoje Rosemberg é importantão do PT e o homem é governador do Estado.

Chega!

Antonio do Carmo

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